sexta-feira, 23 de março de 2012

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Ei, você é surfista?

Por trás de um SNI em Pipeline sempre pode haver algum presidente de multinacional. Foto: Sebastian Rojas.
Outro dia fui tomar um café com o diretor de uma empresa conhecida por padrões corporativos rígidos. O papo seguia firme dentro da cartilha: falávamos de mercado, das questões ambientais de grandes indústrias, de comunicação... 

De repente, um corte na linha: “você não é o colunista do Waves? Eu também surfo.” Dentro de uma sala de reunião decorada com a missão de dar um tom sóbrio ao ambiente, um silêncio cúmplice prevaleceu por dois ou três segundos. Percebi como aquele diálogo era ao mesmo tempo surpreendente e atual. Os surfistas estão saindo da toca. 

O papo em instantes ganhou a leveza da água salgada, com histórias sobre ondas, o mercado do surf e, claro, sobre a etapa prime de Margaret River. “Altas ondas, não?”, disse o surfista por trás do terno de corte elegante. 

No dia seguinte, foi a vez de uma reunião com um cliente. Advogado, acostumado a trajes formais, ele entendeu que num Rio de 38 graus não há traje mais adequado que uma bermuda alinhada. O cliente, claro, também é surfista, mas não trabalha na beira da praia: entre outras atividades, ele tem um escritório de advocacia. 

Contei a ele a história da véspera, do café com o tal diretor da companhia. Um avanço no espaço que o surfista ocupa no mundo. O cliente concordou, e riu ao lembrar que conhece vários juízes togados que ainda não conseguiram sair da toca: “Eles dizem que ser surfista e juiz de Direito não combina.

Eu sempre pergunto: como assim?”

Eu também conheço profissional que não se assume surfista. Certa vez, fiz uma surf trip com um alto executivo de multinacional. Na volta, queria escrever uma matéria sobre a viagem para O Globo e usar meu parceiro de viagem como personagem. Não pude. “Entenda, o presidente da empresa tem preconceito.” 

Sorte que há cada vez mais presidentes em cima da prancha. 

Um amigo, parlamentar e surfista fissurado, é outro exemplo: passou anos escondendo do mundo e dos eleitores sua alma de surfista. Pode ter deixado de ganhar votos por isso. 

A conquista do surfista é a conquista de minorias. Lembra a conquista da mulher. Teremos, um dia, um surfista no lugar de Dilma? Pouco provável. A pilha de quem ama o mar não é o poder.

O surfe ainda é o tema na mesa do Jobi, onde encontro dois amigos: um surfista profissional brilhante e um sagaz economista. A vida deles é um pouco diferente: eles ganham com a imagem do surfista. A dupla se desdobra para produzir um programa de tevê que retrate o estilo de vida de todos nós, do diretor ao advogado, do vagabundo ao empresário.

O trabalho é muito bem feito, e impressiona até os que nunca entraram na água. Graças a programas como esse, ficou mais fácil para o surfista sair da toca num ambiente corporativo. A dupla responsável pelo trabalho vive bem, pegando onda pelo mundo afora, mas ainda paga um preço: é difícil ganhar dinheiro trabalhando com o surf. Por enquanto, o caminho para quase todo mundo – salvo poucos eleitos – é ser o surfista da firma.

Nenhum dos personagens citados na coluna foi identificado, embora ninguém tenha me pedido isso. É só uma homenagem aos milhares de anônimos que acordam cedo todos os dias para pegar onda e, depois, dentro de um terno ou de qualquer outra armadura, passam o dia tentando esconder a felicidade que nasceu na melhor onda da última sessão. 

Tulio Brandão é jornalista, colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou nove anos no Globo como setorista de meio ambiente e outros três anos no Jornal do Brasil, onde cobriu surf e outros esportes de prancha. Atuou ainda como gerente de Sustentabilidade da Approach Comunicação. Na redação, ganhou dois prêmios Esso, um Grande Prêmio CNT e um Prêmio Abrelpe.  

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